.samba da vela

Lá na Casa de Cultura Santo Amaro acontece um encontro todas as segundas-feiras com sambistas de São Paulo, samba de raiz, onde novos compositores apresentam suas criações. Samba da Vela porque no início de cada encontro acede-se uma vela, quando ela se apaga, a roda de samba termina, foi um jeito que eles encontraram para marcar o tempo, mas não é assim radical, o samba continua mesmo com a vela apagada. Ontem foi o dia da vela rosa, onde são apresentadas canções inéditas, essa é a segunda vez que eu vou, da outra vez recebemos um caderninho com as letras, mas como ontem foi a apresentação das canções não teve, alguns compositores distribuíram filipetas, mas achei graça tentar acompanhar as músicas sem papel, acompanhando o movimento da boca das pessoas... e no final teve canjica, mas normalmente eles oferecem sopa, a entrada é gratuita, mas você pode colaborar com dois reais ou mais. Uma surpresa muito agradável foi ouvir Serginho Poeta, ele é muito bom, nunca tinha ouvido falar, achei na internet um dos poemas apresentados ontem.

" Negro poeta de esquina
Meia noite no gueto

Tem um preto parado na esquina
- Será ladrão ou vendedor de cocaína?
Se perguntam os tripulantes da barca são-paulina
Que se aproximam para abordá-lo
interrogá-lo e espancá-lo
Não necessariamente nesta ordem, é claro

O homem permanece inerte
Ainda assim
Recebe um soco no rosto
Que é dado com gosto
Enquanto um segundo soldado
De um posto maior
Desfere-lhe um chute
Não há quem não escute, naquela noite
O açoite moderno
Mas só quem vê é o azul eterno
O celeste noturno...
Cassetete, coturno; cassetete, coturno!

Por um momento

Cessam então o linchamento e ordenam:
- Fala negro, não me enrola o que faz na rua a essa hora?

- Venho aqui para fazer poesia

Sou poeta da lua
Por isso, troco a noite pelo dia
E é tão triste quem na lua se inspira
Apaixona-se por ela, tornando-a sua lira
Mas apesar dessa paixão que no peito tranca
Não pode com a mão tocar a bola branca
Invejo os astronautas
Eu, poeta, aqui tão distante
E eles, meros militares, lá em cima,
Nos braços da minha amante
Sou poeta da rua.
E nesse caminho estreito
Aprendi a andar, a cair, a levantar
E a ter respeito...
Mas nunca temer!
É isso, senhores, o que eu tenho a lhes dizer
Agora, espero que me deixem
Continuar olhando o céu
Pois negro já nasce poeta
Mas também já nasce réu
- Ah, mas negro poeta
Isso é afronta!
É passar demais da conta!

Meia-noite no gueto

Tem um preto morto na esquina
Os olhos abertos, o corpo ferido
O céu todo refletido no centro da retina
Não era ladrão, nem vendedor de cocaína
Era simplesmente um poeta
Sem escola, sem berço...
Um poeta de esquina."
Sério Luís de Oliveira é motoboy, aos 33 anos lê e promove oficinas de poesia em escolas públicas.

Não espere clima de festa, pagodão nas alturas, cerveja, corrente de ouro, mulheres sambando e todas essas coisas (ainda bem!!!). É quase um ritual, cheio de sentimentos e batuques.

Casa de Cultura de Santo Amaro - Samba da Vela
Praça Dr. Francisco Ferreira Lopes, 434, Santo Amaro - São Paulo
Fone: (11) 5103-2408. Mais informações detalhadas aqui, mas eu recomendo ir conferir pessoalmente!